terça-feira, 30 de março de 2010

domingo, 14 de março de 2010

A Arte de Viver

No mês de fevereiro eu assiti a uma reportagem de TV japonesa sobre uma exposição no Japão chamado "Borô" (trapo) e imediatamente liguei com uma outra palavra japonesa: "mottai-nai" (não desperdiçar). Estas palavras carregam um significado profundo para um povo que viveu centenas de anos numa guerra civil e sistema de castas na Era Feudal.Esta dificuldade continuou até depois da Segunda Guerra Mundial, nos problemas climáticos e em época de crise financeira.

Os japoneses se sentem verdadeiramente responsáveis pela comunidade e são treinados para aproveitarem ao máximo o que eles produzem para sobreviver. Talvez por isso é fácil romantizar a carência. Segundo prof. Chuzaburo Tanaka, curador desta exposição, o rigor do inverno pontua toda a vida do povo que vive na sua terra natal Aomori que fica mais ao norte da ilha central do Japão. Borô e Mottai nai significam muito mais do que sobrevivência e falta de recursos. É uma forma de transmitir Amor e Carinho para que as famílias e comunidades pudessem viver com mais qualidade de vida, mesmo na adversidade. E foi com esse espírito e background que ele montou a Exposição Borô no novo Museu Amuse no bairro de Akasaka - Tóquio. A exposição descreve como o borô tem sido transmitido por gerações e reutilizado por meio da costura de pedaços de tecido bom de uma peça para recuperar partes desgastadas de outra peça e receber bordado para transformá-la em algo bonito e confortável de usar. É admirável ver que era comum pensar em temas como anoitecer ou amanhecer para servir de inspiração !. Com o tempo, as peças de "kaimaki" (grandes túnicas com mangas enormes) se tornam uma obra de Arte, denso e bonito. (A foto mostra uma peça de Kaimaki exposto em primeiro plano - foto do blog Max no Iê - MTV).
Aproveite e veja o filme no endereço do Max: http://mtv.uol.com.br/blognoie/blog/japao-reaproveitamento-customizacao-tudo-isso-voce-acha-que-e-coisa-da-atualidade-conheca-entao-o-boro.

Algumas das peças de vestuário "borô" expostas datam do Período Edo (1603-1867). Naquela época o algodão era pouco disponível para a classe média/baixa. E assim, a reutilização se tornou a única saída até que se acabassem de tão puído. Além disso, as roupas eram feitas de linho muito grosso e necessitavam de forro macio. Por isso, os "kaimakis" pesavam frequentemente até 14 kg cada.

Os "borôs" foram usados como casacos, mas também como roupa de cama. As famílias espalhavam palha no chão e dormiam nús dentro da peça, bem juntos, para que o calor dos corpos fossem transmitidos entre si.
Ironicamente, hoje o "borô" tornou-se uma forma de manifestação de Arte, razão pela qual esta exposição aconteceu num Museu de Arte e não num Museu de História. De acordo com o folheto publicado pelo Museu Amuse, as peças ali expostas foram achados em ruínas, edificações antigas e de famílias que ainda guardavam estas peças como herança. Durante muitos anos o prof. Tanaka estudou e reuniu peças e algumas estão na exposição como de coleção particular. Hoje os colecionadores compram pelo seu valor intrínseco e não apenas da tecnologia têxtil peculiar que criou o vestuário. Este valor é o sentimento que une estas peças às pessoas. Por exemplo, a exposição exibiu uma corda feita totalmente de "borô" e serviu para as gestantes segurarem nela na hora do parto. Assim, cada pedacinho de "borô" conta uma história familiar e carrega em si o sentimento de carinho e lembrança das pessoas que usaram aquela peça, aquele pedacinho. É uma longa história de amor que fica como herança para nos transmitir que os objetos também possuem alma. E faz refletir mais profundamente sobre o sentido de viver numa época em que nascer e viver não era natural e livre. Viver acima de tudo era sobreviver com talento usando aquilo que estava disponível. E dinheiro nenhum podia comprar como nos dias de hoje.